11 junho 2011, Opera Mundi http://operamundi.uol.com.br (Brasil)
Arturo Hartmann*
Antes dominantes, as feições europeia e árabe da população de Israel hoje são complementadas por olhos puxados e pele amarela e negra. Imigrantes vindos de longe, especialmente do Sudeste Asiático, começaram a desembarcar no pequeno país no começo dos anos 1990, com incentivo do governo local, em busca de melhores condições de trabalho. Desde a administração de Ytzhak Rabin, tailandeses, filipinos e chineses, por exemplo, começaram a substituir a força de trabalho palestina. No entanto, esses estrangeiros atualmente sofrem com o preconceito e a deportação, apesar de alguns terem tido filhos em solo israelense.
Imigrantes ilegais protestam em Tel Aviv contra decisão do governo de deportar crianças nascidas em Israel
“Os setores de construção, agricultura, saúde e limpeza precisavam de mão-de-obra barata e, por décadas, essas empresas negligenciaram investimentos em capital humano, maquinário e salários apropriados para se modernizar. Tornaram-se dependentes do trabalho palestino, que foi substituído nos anos 1990 pelos imigrantes”, explicou ao Opera Mundi o economista israelense Shir Hever. Segundo ele, no começo do século, o então ministro das Finanças do governo de Ariel Sharon, Benjamin Netanyahu, não conseguiu reduzir o número de trabalhadores. “Ele tentou, mas falhou após se render ao lobby das companhias de agricultura e construção”, que precisavam dos funcionários.
Agora, como primeiro-ministro, “Bibi” – como Netanyahu é chamado em Israel – deu início a uma série de medidas para conter a onda imigratória e preservar a predominância de judeus na população. Em agosto de 2010, foi aprovada uma lei que permite a deportação de crianças de imigrantes. Dois meses depois, uma emenda legislativa que impõe aos não judeus que queiram adquirir a nacionalidade israelita jurar lealdade ao país como "Estado judeu e democrático" causou polêmica.
Em 20 de maio, o Knesset (congresso israelense), aprovou uma lei que restringe imigrantes que trabalham no setor de saúde a uma região específica do país – ela foi denominada por críticos como “Lei da Escravidão”. Além disso, a legislação impõe que os trabalhadores só podem mudar de empregadores por no máximo três vezes.
O membro do Knesset David Azoulay, do partido Shas, presidente do Comitê de Interior do Congresso, defendeu a lei: “Ela lida com uma situação problemática e dolorosa: os estrangeiros trazidos a este país para cuidar de pacientes com sérias necessidades abandonam suas responsabilidades pela dificuldade do trabalho, deixando-os sem qualquer possibilidade de cuidado”, afirmou, de acordo com o jornal israelense Haaretz.
Ran Cohen, médico e diretor executivo da organização israelense Médicos pelos Direitos Humanos (PHR, em inglês), explicou os detalhes: “O alvo principal hoje é o serviço de saúde, mas poderá estender-se aos que trabalham nos setores de construção e agrícola. Se deixarem mais de três vezes o empregador, perdem o visto. Se deixarem a área geográfica designada, perdem o visto e ficam sujeitos à prisão e deportação”.
A “Lei da Escravidão”, na verdade uma emenda à Lei de Entrada israelense, que regula questões de vistos e deportação, põe no corpo jurídico uma regulação que existia até 2006, mas foi vetada pela Suprema Corte de Israel, por considerá-la uma forma de escravidão moderna. “Quando um trabalhador deixava seu empregador, perdia o visto de trabalho, tornando-se ilegal. Como resultado, trabalhadores eram explorados e maltratados por empregadores, não eram pagos, tinham que escolher entre um mau empregador ou perder o visto. Por isso há tantos trabalhadores ilegais em Israel”, disse o médico. As estimativas falam em uma população de 100 mil trabalhadores ilegais.
“Precisaremos ir à Corte novamente, à mídia, nos manifestar nas ruas”, afirmou Emi Saar, coordenadora do Centro de Intervenção de Crises da Linha de Ajuda aos Imigrantes Trabalhadores (HMW, em inglês). O HMW trabalha com casos individuais, prestando apoio paralegal, coleta de histórias e atendimento de emergência. “Já que o governo decidiu empregá-los, deve dar a eles os mesmos direitos, como proteger seus direitos trabalhistas, impor a lei aos empregadores, cancelar a política de amarração/fixação e dar a eles as mesmas condições de trabalho dos israelenses. Deve também manter acordos bilaterais com seus países de origem para que não paguem milhares de dólares para vir a Israel. Seria um bom começo”.
Direitos humanos
A questão dos imigrantes, um fenômeno global, ganha formas locais. A população de “estrangeiros” tornou-se um novo fator na equação interna do conflito social de Israel entre judeus e palestinos. O tipo de status de permanência passa pela discussão do Estado judeu.
A questão ganhou contornos claros em meados de 2010 nos debates sobre a aprovação de uma lei no Knesset que ditava as regras para expulsar de Israel crianças filhas de imigrantes. Em agosto de 2010, Netanyahu aprovou a lei de deportação de filhos de imigrantes.
“Essa é uma decisão razoável e equilibrada, influenciada por duas considerações: a consideração humanitária e a sionista. Estamos buscando formas de absorver e adotar em nossos corações crianças trazidas e criadas como israelenses. Por outro lado, não queremos criar um precedente que irá levar centenas de milhares de trabalhadores ilegais a inundar o país”, disse ao Haaretz. Esses estrangeiros se juntariam aos palestinos na tão temida “bomba demográfica”.
A lei gerou mal-estar no país e não foi imediatamente cumprida. “Houve a intenção de prender crianças, mas não o fizeram. Apenas nas últimas semanas começaram a prender famílias com crianças pequenas”, explicou Cohen.
Lucros da imigração
E se, em público, Netanyahu diz que a grande questão é a manutenção do Estado judaico, a política do governo diz outra. Há em Israel um mercado que precisa da mão-de-obra, mas que se alimenta da xenofobia que vê a imigração como indesejável. Leis como essas mantêm o negócio lucrativo, na opinião de Hever. “A HMW descobriu que os mediadores que trazem os imigrantes cobram entre cinco e 24 mil dólares de cada um. As companhias têm um enorme interesse nesse sistema em que mais trabalhadores sejam trazidos a Israel e rapidamente deportados, e que novos venham para substituí-los. Eles lucram enormidades com isso”.
“É uma questão complexa. Os empregadores e mediadores, e alguns políticos, ganham enorme popularidade ao expressar ódio e racismo em relação aos migrantes. Esta é uma batalha de longo-prazo entre ideologia étnica e ganância. Oficiais israelenses eram contra trabalhadores palestinos em Israel em 1967, mas muitos empreiteiros os trouxeram de qualquer forma. Sempre há movimentos promovendo o ‘trabalho hebreu’ para guardar a vitória demográfica dos judeus em Israel, mas há outros que argumentam que um certo liberalismo e considerações pragmáticas ajudarão a economia de Israel”.
No início de abril, o diário israelense Yedioth Ahronot e a Organização Gesher divulgaram uma pesquisa conjunta (conduzida pelo Instituto Panels). Setenta e oito por cento dos entrevistados disse que imigrantes e refugiados “são um perigo ao caráter judaico do Estado de Israel" – 57% falavam em grande perigo e 21% em um perigo moderado.
Leia mais:
Israel face à sua história, por Eric Rouleau
Análise: O Estado de Israel é a origem do ódio
Palestinos teriam oferecido boa parte de Jerusalém a Israel
Quebrando o silêncio: soldados israelenses revelam a ONG abusos cometidos contra palestinos
Aceitação de outras culturas é chave para integração de ilegais em Israel, diz ativista
Wikileaks: EUA foram informados por Israel sobre operação militar em Gaza
Megaincêndio florestal revela ruína de vilas palestinas destruídas no fim dos anos 1940
Entrevista: pessimismo impera entre crianças de Gaza
Para centro palestino nos EUA, reconhecimento do Brasil pode ser decisivo
"Israel está fazendo muito dinheiro com a ocupação da Palestina", diz economista israelense
Nenhum comentário:
Postar um comentário