21 Junho 2011, Outras Palavras (Brasil)
Por Lawrence Davidson*
no Consortium News Tradução: Rede Vila Vudu
Os sauditas não estão gostando do que têm ouvido do presidente Barak Obama, sobretudo “instruções” que, aos olhos de Riad, parecem extremamente perigosas – como dizer aos sauditas e ao resto dos governantes árabes, que se antecipem aos movimentos de protesto popular e promovam reformas democráticas.
Os sauditas não têm qualquer tradição democrática além do conselho consultivo das tribos. Antes de serem reis e príncipes, são xeques do deserto. Por isso, os conselhos de Obama soam como fala de aliado de muito tempo que, de repente, os aconselhe a render-se. Na tradição beduína, líderes fortes não se rendem sem luta.
Os sauditas já manifestaram, por várias vias, sua decepção com Washington. Uma dessas vias foi enviar tropas para ajudar a monarquia do Bahrain (mais um xeque que se autodenomina rei) e apoiar a reação fascista que o regime impunha com violência contra a maioria xiita.
Os sauditas são sunitas wahhabitas, o ramo mais conservador do islamismo, e pouco se importam com o destino dos xiitas, que consideram heréticos. Os sauditas suspeitam que os xiitas do Bahrain estejam sendo orquestrados pelo Irã (que os sauditas muito temem, como potência xiita emergente na região).
Riad vê o terror no Bahrain como necessário e útil – por mais que muitos, em todo o mundo, inclusive eu, interpretemos como violência injustificável o modo como os sauditas encaminharam a questão do Bahrain.
Uma segunda via pela qual os sauditas já demonstraram o quanto estão frustrados com os discursos de Obama é denunciar a hipocrisia de Washington. Semana passada, o príncipe saudita Turki al-Faisal publicou no Washington Post um importante documento, bem arrazoado, sob o título de “EUA pró-Israel: favoritismo fracassado” [traduzido em português e disponível na Rede CastorPhoto).
Turki foi embaixador saudita nos EUA e no Reino Unido e chefe da inteligência saudita. Embora esteja hoje fora do governo (motivo pelo qual, provavelmente, assina o artigo publicado nos EUA), o que lá se lê pode ser considerado manifestação direta de sentimentos e pensamento do governo saudita. E o que diz Turki?
1. Referindo-se a Obama, no discurso sobre o Oriente Médio, Turki escreve que “[Obama] chamou a atenção de governos árabes para que abraçassem a democracia”, mas, simultaneamente, nada disse na direção de exigir os mesmos direitos de autodeterminação para os palestinos – apesar de o território palestino estar ocupado pela mais forte potência militar da região.”
2. Turki descreve como “deprimente” ver o Congresso dos EUA aplaudir discuros em que se negaram “os direitos humanos mais básicos aos palestinos”. Referia-se a recente visita do primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, ao Capitólio.
3. Vistos em conjunto os dois eventos – negação de direitos básicos aos palestinos e o exortação em favor deles no resto do mundo árabe – compõem, do ponto de vista dos sauditas, indicação clara de que “os planos de paz construídos por EUA e Israel já se revelaram inviáveis e o conflito Israel-Palestinos continuará sem solução à vista, enquanto as políticas dos EUA continuarem a dar prioridade indevida aos interesses de Israel”.
4. Assim sendo, “na ausência de quaisquer negociações produtivas, é chegada a hora de os palestinos deixarem de lado EUA e Israel e buscarem reconhecimento internacional do Estado palestino diretamente na ONU.” Nesse movimento, serão firmemente apoiados pela Arábia Saudita”.
Os sauditas erraram no Bahrain, mas acertaram integralmente na Palestina. E o recado não para aí. Pode-se dizer que Turki de fato “jogou a luva”, em declarado desafio a Obama e aos EUA.
5. “Os políticos norte-americanos não se cansam de repetir que Israel é seu “aliado indispensável”. Logo aprenderão que há outros atores na região que podem ser pelo menos igualmente “indispensáveis”. O jogo de favoritismo em favor de Israel não revela sabedoria, por parte dos EUA, e logo vai aparecer como uma grande loucura.
“Haverá consequências desastrosas para as relações EUA-Arábia Saudita, se os EUA vetarem na ONU o reconhecimento do estado palestino.”
Deve-se considerar que não há qualquer base legal para esse veto, na Assembleia Geral da ONU. Mas o governo Obama pode dificultar muito as coisas, simplesmente torcendo braços e apertando gargantas em número suficiente – entre as nações que dependem de Washington – para conseguir que votem “Não” ao reconhecimento do Estado palestino.
Foi exatamente o que o governo Truman fez em 1948, para conseguir o número de votos necessários para aprovar o reconhecimento do Estado de Israel (por pequena diferença). Será muito triste ironia, se o governo Obama recorrer à mesma tática, para, outra vez, derrotar os palestinos.
6. Turki conclui: “Nós, árabes, muitas vezes dissemos não à paz. E em 1967 pagamos o preço pelas muitas vezes que erramos. Em 2002, o rei Abdullah (na foto, com Barack Obama) ofereceu o que viria a ser chamado de Iniciativa da Paz Árabe (…). Mas, dessa vez, são os israelenses, que dizem não à paz. Espero não estar por perto, quando os israelenses tiverem de pagar o preço pelo erro que estão cometendo.”
Seria temeridade considerar isso um blefe. Turki tem bastante razão ao dizer que há outros parceiros no Oriente Médio que são mais indispensáveis para os EUA, e para o ocidente em geral, que Israel. Por exemplo, qualquer dos grandes produtores de petróleo que há por lá.
Para provar o que dizem, os sauditas nem precisarão repetir o embargo do petróleo de 1973. Basta que reduzam gradual, mas ininterruptamente, o ritmo da produção, e pressionem outros produtores árabes para que façam o mesmo. Se o fizerem, o presidente Obama terá de lutar pela reeleição, em 2012, com o preço da gasolina acima de 5 dólares o galão [equivalentes a cerca de R$ 2,10/litro, representando aumento de 60%, em relação aos preços atuais].
E os preços não cairão apenas por o vencedor ser Mitt Romney – ou qualquer candidato do Partido Republicano. Podem não cair até que os palestinos recebam o direito de conseguir uma paz justa. (…)
O poder de Israel: Contra essa referência muito clara ao poder dos sauditas, temos a mais recente chicanice de Netanyahu, primeiro-ministro de Israel.
Em entrevista coletiva em Roma, Netanyahu, estimulado pelos sorrisos de aprovação de Silvio Berlusconi, disse ao mundo que “o problema não são os ‘assentamentos’ (colônias exclusivas para judeus). A raiz do conflito é que os palestinos recusam-se a reconhecer a existência do estado judeu” [sobre isso, ler Uri Avnery, em português].
Mais tarde, Netanyahu elaborou: “É conflito insanável, porque não se disputa território (…). Até que os palestinos aceitem Israel, não só como país, mas como Estado judeu, é impossível avançar.”
Todos os líderes israelenses parecem ser tomados pelo delírio de inventar ilusões. Aqui, Netanyahu manifesta o mesmo delírio, tentando paralisar todo o processo de paz por efeito de suas palavras. Mas o ato de mágica engana espectadores sem qualquer memória ou perspectiva histórica. E Netanyahu consegue repetir suas bobagens sem história que as confirme, e nem por isso é desmentido.
Mas muitos conhecem os vários fatos que Netanyahu omite. Eis alguns:
1. Em 1993, a Organização de Libertação da Palestina, liderada então por Yasser Arafat, reconheceu formalmente o Estado de Israel. Naquele momento, todos sabiam exatamente o que significava “Estado de Israel”. Ninguém jogava com ases tirados da manga, nem tentava introduzir na definição do Estado termos jamais definidos com clareza, como o adjetivo “judeu”.
O próprio Arafat disse depois ao jornal britânico Guardian que era “claro e óbvio” que Israel era e sempre seria judaica e que o problema dos refugiados teria de ser resolvido de modo que permitisse manter aquele traço judeu.
2. E há também informação vazada nos Palestine Papers (Janeiro, 2011), segundo a qual Mahmoud Abbas (também chamado Abu Mazen) e seus seguidores ofereceram aos israelenses absolutamente tudo que exigiram.
Como escrevi naquela época, Abbas e seus colegas “estavam dispostos a concordar com os bantustões, a ceder praticamente toda Jerusalém, a dar as costas a 99% dos refugiados, a fingir que não viam que a população de Gaza estava sendo massacrada e a servir, como aliados, à ocupação da Cisjordânia pelos exércitos de Israel.
“Ao final daquela ‘negociação’, já praticamente nada restava pelo qual valesse a pena lutar. Como o principal negociador da Autoridade Nacional Palestina, Saeb Erekat, disse aos enviado dos EUA ao Oriente Médio George Mitchell, os palestinos haviam feito tudo, exceto ‘converter-se ao sionismo’. Mesmo assim, os israelenses ignoraram todas as concessões feitas pelos palestinos.”
Ora, pode-se dizer que Netanyahu é homem de visão tão estreita e tão mal informado que não lembra de 1993 nem sabe do que Arafat explicou ao Guardian. Pois ainda assim teria de lembrar da capitulação tão fartamente noticiada nos Palestine Papers. Afinal de conta, aconteceu, em grande parte, sob seus próprios olhos.
E o que dizer da exigência de reconhecer o tal “estado judeu”? A única conclusão a que se pode chegar é que o primeiro-ministro Netanyahu é daqueles comediantes que depende de um “escada”, e que supõe que o resto do mundo, que, para ele, estaria representado no Congresso dos EUA, vive de lhe dar as deixas sem as quais não teria como apresentar seu número.
Contra todas esses delírios, há a realidade: a liderança política em Israel não tem qualquer interesse em fazer a paz. A paz deve ser evitada a todo custo, porque interromperá, necessariamente, o continuado roubo de terra palestina, por israelenses. Por isso, de fato, para Netanyahu, “é impossível avançar” rumo a qualquer paz.
E o vencedor? O que acontecerá se os sauditas decidirem, mesmo, que chegou a hora de aplicar seu imenso poder econômico para ajudar os palestinos? O poder dos comediantes israelenses bastará para competir com os sauditas? Bem, há alguns argumentos a considerar:
1. O poder dos sionistas, fora da Palestina, está confinado a apenas alguns poucos pontos. Não significa que não exista, mas significa que tem base real bem reduzida. O poder do sionismo repousa sobre duas torres gêmeas: a culpa ocidental pelo holocausto e a influência do lobby pró-Israel. Esse último, pelo menos nos EUA, aparece sob a forma de dinheiro pago a políticos e campanhas eleitorais.
Os sionistas também têm poder sobre a mídia, mas é hoje poder bem menos amplo do que já foi. Não se sabe exatamente o quanto esse poder midiático conseguiria influir, em circunstâncias em que houvesse, ativados, consideráveis contrapesos econômicos e financeiros.
2. O poder da Arábia Saudita, por sua vez, é realmente internacional-global e é poder com bases econômicas bem reais. Se o preço dos combustíveis disparar, por ativa manipulação pelos sauditas e outros produtores árabes de petróleo, não há o que os sionistas possam fazer para revidar.
E, agora? O que farão os norte-americanos e os europeus? Invadir a Arábia Saudita, o Kuwait, o Bahrain, o Qatar et allii? São ideias que ocorrem a roteiristas de romances e filmes de espionagem e só serão promovidas por terroristas limítrofes, tipo John Bolton. Na vida real, nunca aconteceu.
Não. O novo tipo de confrontação não pode ser vencido pelos sionistas. É interessante observar que praticamente nada disso aparece discutido na mídia norte-americana. Provavelmente, os sionistas e seus cúmplices creem que, se fecharem os olhos e ouvidos e fingirem que a Arábia Saudita não disse o que disse, a Arábia Saudita sumirá para sempre. Talvez estejam contando com energia fusion, ainda em setembro desse ano! Ou, vai-se ver, decidiram que o príncipe Turki al-Faisal blefou, pelo Washington Post.
Pessoalmente, entendo que pode ter chegado a vez da Arábia Saudita. Talvez os sauditas possam impor uma paz justa entre Washington e Telavive. Ninguém espere notícias pela mídia, mas, para ajudar os palestinos, estou disposto a pagar o preço que os sauditas resolverem cobrar, para encher o tanque!
*Lawrence Davidson é professor de História na West Chester University na Pennsylvania. É autor de Foreign Policy Inc.: Privatizing America’s National InterestAmerica’s Palestine: Popular and Offical Perceptions from Balfour to Israeli Statehood; e Islamic Fundamentalism.
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