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quarta-feira, 13 de julho de 2011

ENTREVISTA COM NOAM CHOMSKY

7 julho 2011/Brasil de fato http://www.brasildefato.com.br

OBS.: O texto completo está em:
Português: Brasil de Fato http://www.brasildefato.com.br/node/6539
Inglês: http://www.redpepper.org.uk/interview-with-noam-chomsky/

''A imensa maioria dos árabes pensa que a maior ameaça vem dos EUA-Israel''
John Berger


Redpepper.org

Para sua segunda entrevista em menos de um ano com o professor Noam Chomsky (a primeira ocorreu em Cambridge, em setembro de 2010), Frank Barat pediu a renomados artistas e jornalistas que cada um lhe enviasse a pergunta que gostaria que fosse formulada a Noam.

Amira Hass: Os levantes dos países árabes fizeram-lhe mudar ou revisar as suas antigas análises? Afetaram, e como, as suas ideias sobre, por exemplo, massas, esperança, Facebook, pobreza, intervenção ocidental, surpresa? (Jornalista israelense que vive na faixa de Gaza)

Amira e eu nos reunimos na Turquia há um par de meses, tivemos um par de horas para falar e nenhum de nós previu nada, talvez ela sim, mas se o previu não disse nada, certamente eu não previ nada, não estava sucedendo nada no mundo árabe, portanto, sim, mudei de opinião a esse respeito porque foi algo inesperado. Por outra parte, quando olhas para trás, não há diferença com o que ocorria antes, exceto que no passado os levantes eram violentamente reprimidos, e isso foi o que ocorreu em novembro, no início dos levantes, no Saara Ocidental que Marrocos invadiu há 25 anos, violando as resoluções das Nações Unidas e ocupando brutalmente.

Em novembro se produziu esse primeiro protesto não violento que as tropas marroquinas controlaram violentamente, que é algo que há 25 anos seguem fazendo; foi bastante grave como para que se apresentasse uma petição de investigação nas Nações Unidas, mas então a França foi e interveio. A França é o principal protetor de atrocidades e crimes na África Ocidental, são as velhas propriedades francesas, por isso bloquearam a investigação das Nações Unidas do que foi o primeiro protesto. O seguinte foi na Tunísia, de novo mais ou menos uma zona francesa, mas teve êxito, derrubaram o ditador. E depois veio o Egito, que é o mais importante devido a sua relevância no mundo árabe, que foi imensamente notável, uma imensa demonstração de valor, dedicação e compromisso. Tiveram êxito ao se desfazerem do ditador, ainda que o regime não tenha, todavia, mudado. Talvez mude, mas ainda segue aí, diferentes nomes, mas nada novo; esse levante, do 25 de janeiro, foi dirigido pelos jovens que se autodenominaram como o Movimento do 6 de abril.

Bem, o seis de abril se chama assim por uma razão, eles elegeram esse nome porque foi a data de uma ação importante de luta um par de anos antes, no complexo industrial têxtil de Mahalla, e que se acreditava que seria uma greve importante, levaram-se a cabo atividades de apoio e outras. Bem, foram reprimidos violentamente, isso foi em 6 de abril e essa foi uma da série de greves. Certo é que pouco depois da repressão do levante de 6 de abril, o presidente Obama foi ao Egito dar seu famoso discurso sobre a aproximação ao mundo muçulmano e os demais. Solicitou-se a ele em uma conferência de imprensa que dissesse algo sobre o governo autoritário do presidente Mubarak e disse que não, que Mubarak era um bom homem, que estava fazendo coisas boas mantendo a estabilidade e derrotando a greve de 6 de abril e que isso estava bem.

O mais chamativo é Barein. O que aí sucede está alarmando o Ocidente, em primeiro lugar porque Barein alberga a quinta frota americana, uma força militar importante na região. Segundo, porque é de maioria xiita e se chega até ali justamente através de uma estrada construída desde o leste de Arábia Saudita, que tem também uma população de maioria xiita, e sucede que é onde se encontra a maior parte do petróleo. Durante anos, os planejadores ocidentais se preocuparam pelos incidentes históricos e geográficos dali, porque a maior parte do petróleo mundial se encontra nas zonas xiitas, justamente ao redor desta parte do Golfo, Irã, sul do Iraque, leste da Arábia Saudita. Bem, se o levante de Bahrein se estende à Arábia Saudita, as potências ocidentais vão se ver realmente em dificuldades e de fato Obama modificou a retórica que utilizava oficialmente para falar dos levantes. Durante um tempo falou de mudança de regime, agora fala de alteração do regime. Não queremos que haja mudanças, é extraordinário poder contar com um ditador que nos faça o trabalho sujo.

Na atualidade, um fato bastante surpreendente sobre tudo isto é que..., dê uma olhada nos vazamentos de WikiLeaks, é muito interessante. Os mais conhecidos no Ocidente, as grandes manchetes, os vazamentos dos embaixadores que diziam que o mundo árabe nos apoia contra Irã... Mas havia algo que faltava nessas reações nos jornais, nos colunistas e outros, a saber: a opinião pública árabe, o que queriam dizer com isso de que os ditadores árabes nos apoiam? O que se passava com a opinião pública árabe? Não havia nada, não se informava nada. Nos EUA: zero, creio que há um informe na Inglaterra, de Jonathan Steele, e provavelmente nada na França, não sei. Mas sabe-se bem, e muitas agências prestigiosas publicaram, que os árabes que pensam que Irã é uma ameaça representam 10%.

A maioria, a imensa maioria, pensa que a maior ameaça vem dos EUA e Israel. No Egito, 90% dizem que os EUA é a maior ameaça, na realidade a política dos EUA é tão dura que eu acredito que no Egito quase 80% pensam que o regime seria melhor se Irã tivesse armas nucleares. Por toda a região, a maioria pensa assim. Voltando a John Berger e ao termo democracia, a valorização dos intelectuais ocidentais da democracia é tão profunda e está tão profundamente arraigada que a ninguém ocorre perguntar o que pensam os árabes; quando nos sentimos eufóricos de que os árabes nos apoiem, a resposta é que não nos interessam, enquanto estejam quietos e submetidos e controlados, enquanto há isso que chamamos de estabilidade, não importa o que pensam. Os ditadores nos apoiam e ponto, sentimo-nos eufóricos perante este tipo de vínculos, junto a uma boa quantia de questões... Mas, voltando ao comentário de Amira Hass, o sucedido deveria nos levar a pensar no que esteve sucedendo não somente no mundo árabe, mas em mais lugares e que muito frequentemente está motivado por uma razão essencial: a de terem sido submetidos com violência e assim ocorreu ao longo de todo um século.

Quero dizer que os britânicos estiveram reprimindo o movimento democrático no Irã há mais de um século. No Iraque, houve um levante xiita e, tão logo como os britânicos improvisaram o país após a primeira guerra mundial, reprimiram violentamente os grandes levantes; um dos primeiros usos da aviação foi para atacar os civis. Lloyd George escreveu em seu diário que isso foi algo grandioso porque tínhamos que nos reservar o direito de bombardear os “negros”. Continuou em 1953 quando os EUA e a Grã Bretanha se uniram para derrotar no Irã o governo parlamentarista. De 1936 a 1939, houve um levante árabe na Palestina contra os britânicos que foi violentamente combatido.

A primeira Intifada foi de novo um levante popular muito importante. Não foi violento em absoluto, mas sim, um verdadeiro movimento popular, com grupos de mulheres protestando contra a estrutura feudal, tentando destruí-la. Foi combatida sem piedade. Tão logo sucediam coisas como essas, elas eram combatidas. O que é incomum nesta ocasião é que na maioria dos países são suficientemente fortes como para poder sustentar-se. Não sabemos o que sucederá no Barein e Arábia Saudita. Na realidade, não sabemos o que vai suceder no Egito. O exército, que conservou até agora ao menos o controle e o alto comando militar, está profundamente embutido no velho regime opressor. Haviam se apoderado de grande parte da economia, eram os beneficiários da ditadura de Mubarak, não vão ceder facilmente, por isso nos resta ver o que vai suceder ali.


Alice Walker: Creio que é inevitável a solução de um único Estado ao impasse Palestina/Israel, e que é mais justa do que poderia ser a solução dos dois estados. Isto se deve ao fato de que não acredito que Israel deixe alguma vez de tentar ter sob seu controle os palestinos, sejam já cidadãos de Israel ou vivam nos territórios ocupados. Com a solução dos dois Estados haveria um estado israelita e um bantustão palestino. (Escritora estadunidense e autora do livro A Cor Púrpura)

Surpreendeu-me muito seu rechaço à ideia de um Estado como algo quase absurdo e gostaria de entender por que pensa assim. Não há nenhuma esperança de que israelitas e palestinos possam viver juntos como os brancos e negros após a caída do apartheid, na África do Sul?

É uma pergunta interessante. Ela é uma mulher maravilhosa, faz um bom trabalho, está realmente comprometida com a causa palestina, mas a pergunta diz algo sobre o recente movimento de solidariedade palestino. Quero dizer, se eu tivesse lhe feito a pergunta, digamos, por que pensa que é absurdo tentar defender direitos civis para os negros nos EUA? Ela teria se sentido desconcertada, dedicou grande parte de sua vida nisso. De fato, a única resposta possível seria: De que planeta você saiu? Isso é o que estive fazendo toda a minha vida.

É exatamente o mesmo aqui. Já faz setenta anos que estamos defendendo o que na recente ressurreição recebe o nome de um acordo para Um Estado. O acordo para Um Estado, que não é solução. Esse Acordo de Um Estado chama-se, frequentemente, de um acordo binacional e se se pensa nele, sim, terá de ser um acordo binacional. Isso foi o que eu estive fazendo quando era um jovem ativista nos anos quarenta, em oposição a um Estado judeu. E assim continuarei sempre. E é duro perder isso. Desde os últimos anos da década de 1960 escrevi toda uma série de livros, um número imenso de artigos, palestras constantemente, milhares delas, entrevistas, sempre ao redor do mesmo. Tentando trabalhar por um acordo binacional, em oposição a um Estado judeu.

Fiz toneladas de trabalhos sobre este tema, trabalho ativista, escrevendo, etc. Mas não é somente o slogan e acredito que é por isso que alguém como Alice Walker o desconhece. Não é somente um slogan, “vivamos juntos e felizes”. Trata-se de enfrentar seriamente o problema. Quando és sério sobre isso, pergunta-te “como podemos conseguir?” Bem, depende das circunstâncias, como todas as opções táticas. No período anterior a 1948, era simples, não queremos um Estado judeu, tenhamos um Estado binacional. De 1948 a 1967, dizias a ti mesmo que não era sensato eleger essa posição. Em 1967 abriu-se de novo a possibilidade. Houve uma oportunidade em 1967 de avançar para algum tipo de sistema federal para depois chegar a uma integração mais estreita, talvez um autêntico Estado laico binacional.

Em 1975, cristalizou o nacionalismo palestino e se introduziu na agenda, e a OLP ponderou um acordo de dois estados, com o imensamente doloroso consenso internacional dessa época para um acordo de dois estados na forma que todo o mundo conhece. De 1967 a 1975 era impossível defendê-lo diretamente e era um anátema, algo odiado, denunciado porque era ameaçador. Era ameaçador porque podia cumprir-se e isso prejudicaria a formação política. Portanto, enquanto se davam conta, denunciava-se e difamava-se. Desde 1975 podias ainda manter esta posição, mas tinhas de enfrentar a realidade, que teria que se alcançar por etapas. Há somente uma proposta que nunca escutei, a de que vivamos todos juntos em paz; a única proposta que conheço, começando com o consenso internacional, é a do acordo de dois Estados. Reduzirá o nível de violência, o ciclo de violência, abrirá possibilidades para uma interação mais estreita que já se produz em algum nível, inclusive nas circunstâncias atuais, comercial, cultural e outras formas de interação. Isso poderia levar a desgastar as fronteiras. Isso poderia levar a uma maior interação e talvez a algo como o velho conceito de Estado binacional.

Chamo agora de acordo porque não acredito que este seja o final do caminho. Não vejo razão particular alguma para render culto às fronteiras imperialistas. Assim que quando minha esposa e eu nos voltamos para quando éramos estudantes e íamos com a mochila pelo norte de Israel, e sucedia que cruzavas o Líbano, porque não há uma fronteira marcada, já se sabe, aparecia alguém nos gritando e nos dizendo para voltar. Por que deveria fazer uma fronteira ali? Foi imposto mediante a violência francesa e britânica. Tínhamos que avançar até uma maior integração de toda a região, não se fazia um acordo de um Estado se é que falamos da palavra. De qualquer forma, há uma série de coisas equivocadas com respeito aos Estados, por que deveríamos prestar culto às estruturas estatais? Teríamos de miná-las. Mas bem, em uma série de passos. Se alguém pode pensar em outra via para chegar até aí, então deveria nos contar. Podemos lhe escutar e falar sobre isso. Mas não sei de outra via. Portanto, tudo o que estive escrevendo e falando é demasiado complexo para colocá-lo em uma mensagem de twitter. Nesta época, isso significa que não existe. Tens de apoiar tanto o acordo para dois Estados como o acordo para um Estado. Tens de apoiar ambas as coisas, porque uma delas é o caminho para conseguir a outra. Se não fazes o primeiro movimento, não vai a lugar algum. Agora Alice Walker diz que Israel não aceitará um acordo de dois Estados. Tem razão. Tampouco vai aceitar o acordo de um Estado. Portanto, se esse argumento tem alguma força, sua proposta está fora de lugar, a minha também.

Por esse mesmo argumento, poder-se-ia tratar de demonstrar que o apartheid nunca teria fim. Que os nacionalistas brancos nunca aceitariam por fim ao apartheid, o que é verdade, então, Ok, renunciamos a luta contra o apartheid. Indonésia nunca renunciaria a Timor Leste, os generais diziam alto: “é uma província nossa e vamos mantê-la”. Isso tinha sido verdade se as ações tivessem se produzido no vazio. Mas não havia tal vazio, havia outros fatores implicados. Um dos fatores, que é importante, e de fato nestes casos é decisivo, é a política norte-americana. Bem, isso não está gravado em pedra. Quando a política dos EUA mudou sobre a Indonésia e Timor Leste, tomou-se literalmente uma frase do presidente Clinton para conseguir que os generais indonésios se fossem. Em um determinado momento ele disse: “Acabou-se”. E se retiraram.

No caso do apartheid, foi um pouco mais complicado. Cuba desempenhou um grande papel. Por exemplo, Cuba expulsou os sul-africanos de Namíbia e protegeu Angola. Isso teve um grande impacto. Mas foi quando mudou a política dos EUA, até 1990, quando esse movimento, o apartheid, veio abaixo. Agora, no caso de Israel, EUA é decisivo. Israel não pode fazer nada sem contar com o apoio dos EUA. Proporciona-lhe apoio democrático, militar, econômico e ideológico. Quando esse apoio se retira, fazem o que os EUA dizem. E assim sucedeu realmente uma e outra vez.

Portanto, se fosse verdade que se estivesse atuando em um vazio, nunca teriam aceitado algo que não fosse o que estão fazendo agora. Apoderando-se da prisão que é a Gaza, apoderando-se de todo o território que lhes dá vontade, já se sabe, e assim seguirão. Mas não estão atuando em um vazio. Há coisas que podemos fazer, como em outros casos, para mudar isso. E neste caos, penso que pode se considerar e, inclusive, traçar-se um plano para poder avançar em direção ao acordo de um Estado como um passo até algo inclusive melhor; há que seguir. Pelo que se pode ver, o único caminho para conseguir isso é apoiando o consenso internacional como primeiro passo. Um passo, um prelúdio para mais passos. Isso significa ações muito concretas. Não temos de organizar um seminário para discutir as possibilidades abstratas. Há passos muito concretos que podemos dar.

Por exemplo, retirar o exército israelense da Cisjordânia. Essa é uma proposta concreta e há toda uma série de medidas a adotar para levá-la a cabo. Por exemplo, a Anistia Internacional, que não é precisamente uma organização revolucionária, pediu um embargo de armas sobre Israel. Bem, se os EUA, Grã Bretanha, França e outros, se os povos podem pressionar os seus governos para que aceitem essa proposta e dizer que haverá um embargo de armas ao menos que retires o teu exército da Cisjordânia, isso teria efeito. Há outras ações que poderiam ser feitas. Se o exército sai da Cisjordânia, os colonos irão também com eles. Subirão nos caminhões que lhes facilitem e se transladarão desde suas casas subvencionadas na Cisjordânia para as suas casas subvencionadas em Israel. Da mesma forma como fizeram em Gaza, quando lhes foi dada a ordem. É provável que alguns fiquem, mas isso não importa, se querem seguir em um Estado palestino, isso é assunto seu. Portanto, há coisas muito concretas que podem ser feitas. Sei que não é questão de estalar os dedos e já está, mas não é pedir muito mais que o tipo de coisas que sucederam em outras partes quando a política das grandes potências mudou, sobretudo a dos EUA.

Frank Barat é coordenador do Tribunal Russel sobre Palestina e acaba de editar o livro de Noam Chomsky e Ilan Pappé Gaza in Crisis: Reflections on Israel’s War Against the Palestinians.


Fonte: http://www.redpepper.org.uk/interview-with-noam-chomsky/
Traduzido do inglês para Rebelión por Sinfo Fernández
Traduzido para Diário Liberdade por Gabriela Blanco

quinta-feira, 23 de junho de 2011

Palestina: uma carta na manga da Arábia Saudita

21 Junho 2011, Outras Palavras (Brasil)

Por Lawrence Davidson*

no Consortium News Tradução: Rede Vila Vudu

Os sauditas não estão gostando do que têm ouvido do presidente Barak Obama, sobretudo “instruções” que, aos olhos de Riad, parecem extremamente perigosas – como dizer aos sauditas e ao resto dos governantes árabes, que se antecipem aos movimentos de protesto popular e promovam reformas democráticas.

Os sauditas não têm qualquer tradição democrática além do conselho consultivo das tribos. Antes de serem reis e príncipes, são xeques do deserto. Por isso, os conselhos de Obama soam como fala de aliado de muito tempo que, de repente, os aconselhe a render-se. Na tradição beduína, líderes fortes não se rendem sem luta.

Os sauditas já manifestaram, por várias vias, sua decepção com Washington. Uma dessas vias foi enviar tropas para ajudar a monarquia do Bahrain (mais um xeque que se autodenomina rei) e apoiar a reação fascista que o regime impunha com violência contra a maioria xiita.

Os sauditas são sunitas wahhabitas, o ramo mais conservador do islamismo, e pouco se importam com o destino dos xiitas, que consideram heréticos. Os sauditas suspeitam que os xiitas do Bahrain estejam sendo orquestrados pelo Irã (que os sauditas muito temem, como potência xiita emergente na região).

Riad vê o terror no Bahrain como necessário e útil – por mais que muitos, em todo o mundo, inclusive eu, interpretemos como violência injustificável o modo como os sauditas encaminharam a questão do Bahrain.

Uma segunda via pela qual os sauditas já demonstraram o quanto estão frustrados com os discursos de Obama é denunciar a hipocrisia de Washington. Semana passada, o príncipe saudita Turki al-Faisal publicou no Washington Post um importante documento, bem arrazoado, sob o título de “EUA pró-Israel: favoritismo fracassado” [traduzido em português e disponível na Rede CastorPhoto).

Turki foi embaixador saudita nos EUA e no Reino Unido e chefe da inteligência saudita. Embora esteja hoje fora do governo (motivo pelo qual, provavelmente, assina o artigo publicado nos EUA), o que lá se lê pode ser considerado manifestação direta de sentimentos e pensamento do governo saudita. E o que diz Turki?

1. Referindo-se a Obama, no discurso sobre o Oriente Médio, Turki escreve que “[Obama] chamou a atenção de governos árabes para que abraçassem a democracia”, mas, simultaneamente, nada disse na direção de exigir os mesmos direitos de autodeterminação para os palestinos – apesar de o território palestino estar ocupado pela mais forte potência militar da região.”

2. Turki descreve como “deprimente” ver o Congresso dos EUA aplaudir discuros em que se negaram “os direitos humanos mais básicos aos palestinos”. Referia-se a recente visita do primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, ao Capitólio.

3. Vistos em conjunto os dois eventos – negação de direitos básicos aos palestinos e o exortação em favor deles no resto do mundo árabe – compõem, do ponto de vista dos sauditas, indicação clara de que “os planos de paz construídos por EUA e Israel já se revelaram inviáveis e o conflito Israel-Palestinos continuará sem solução à vista, enquanto as políticas dos EUA continuarem a dar prioridade indevida aos interesses de Israel”.

4. Assim sendo, “na ausência de quaisquer negociações produtivas, é chegada a hora de os palestinos deixarem de lado EUA e Israel e buscarem reconhecimento internacional do Estado palestino diretamente na ONU.” Nesse movimento, serão firmemente apoiados pela Arábia Saudita”.

Os sauditas erraram no Bahrain, mas acertaram integralmente na Palestina. E o recado não para aí. Pode-se dizer que Turki de fato “jogou a luva”, em declarado desafio a Obama e aos EUA.

5. “Os políticos norte-americanos não se cansam de repetir que Israel é seu “aliado indispensável”. Logo aprenderão que há outros atores na região que podem ser pelo menos igualmente “indispensáveis”. O jogo de favoritismo em favor de Israel não revela sabedoria, por parte dos EUA, e logo vai aparecer como uma grande loucura.

“Haverá consequências desastrosas para as relações EUA-Arábia Saudita, se os EUA vetarem na ONU o reconhecimento do estado palestino.”

Deve-se considerar que não há qualquer base legal para esse veto, na Assembleia Geral da ONU. Mas o governo Obama pode dificultar muito as coisas, simplesmente torcendo braços e apertando gargantas em número suficiente – entre as nações que dependem de Washington – para conseguir que votem “Não” ao reconhecimento do Estado palestino.

Foi exatamente o que o governo Truman fez em 1948, para conseguir o número de votos necessários para aprovar o reconhecimento do Estado de Israel (por pequena diferença). Será muito triste ironia, se o governo Obama recorrer à mesma tática, para, outra vez, derrotar os palestinos.

6. Turki conclui: “Nós, árabes, muitas vezes dissemos não à paz. E em 1967 pagamos o preço pelas muitas vezes que erramos. Em 2002, o rei Abdullah (na foto, com Barack Obama) ofereceu o que viria a ser chamado de Iniciativa da Paz Árabe (…). Mas, dessa vez, são os israelenses, que dizem não à paz. Espero não estar por perto, quando os israelenses tiverem de pagar o preço pelo erro que estão cometendo.”

Seria temeridade considerar isso um blefe. Turki tem bastante razão ao dizer que há outros parceiros no Oriente Médio que são mais indispensáveis para os EUA, e para o ocidente em geral, que Israel. Por exemplo, qualquer dos grandes produtores de petróleo que há por lá.

Para provar o que dizem, os sauditas nem precisarão repetir o embargo do petróleo de 1973. Basta que reduzam gradual, mas ininterruptamente, o ritmo da produção, e pressionem outros produtores árabes para que façam o mesmo. Se o fizerem, o presidente Obama terá de lutar pela reeleição, em 2012, com o preço da gasolina acima de 5 dólares o galão [equivalentes a cerca de R$ 2,10/litro, representando aumento de 60%, em relação aos preços atuais].

E os preços não cairão apenas por o vencedor ser Mitt Romney – ou qualquer candidato do Partido Republicano. Podem não cair até que os palestinos recebam o direito de conseguir uma paz justa. (…)

O poder de Israel: Contra essa referência muito clara ao poder dos sauditas, temos a mais recente chicanice de Netanyahu, primeiro-ministro de Israel.

Em entrevista coletiva em Roma, Netanyahu, estimulado pelos sorrisos de aprovação de Silvio Berlusconi, disse ao mundo que “o problema não são os ‘assentamentos’ (colônias exclusivas para judeus). A raiz do conflito é que os palestinos recusam-se a reconhecer a existência do estado judeu” [sobre isso, ler Uri Avnery, em português].

Mais tarde, Netanyahu elaborou: “É conflito insanável, porque não se disputa território (…). Até que os palestinos aceitem Israel, não só como país, mas como Estado judeu, é impossível avançar.”

Todos os líderes israelenses parecem ser tomados pelo delírio de inventar ilusões. Aqui, Netanyahu manifesta o mesmo delírio, tentando paralisar todo o processo de paz por efeito de suas palavras. Mas o ato de mágica engana espectadores sem qualquer memória ou perspectiva histórica. E Netanyahu consegue repetir suas bobagens sem história que as confirme, e nem por isso é desmentido.

Mas muitos conhecem os vários fatos que Netanyahu omite. Eis alguns:

1. Em 1993, a Organização de Libertação da Palestina, liderada então por Yasser Arafat, reconheceu formalmente o Estado de Israel. Naquele momento, todos sabiam exatamente o que significava “Estado de Israel”. Ninguém jogava com ases tirados da manga, nem tentava introduzir na definição do Estado termos jamais definidos com clareza, como o adjetivo “judeu”.

O próprio Arafat disse depois ao jornal britânico Guardian que era “claro e óbvio” que Israel era e sempre seria judaica e que o problema dos refugiados teria de ser resolvido de modo que permitisse manter aquele traço judeu.

2. E há também informação vazada nos Palestine Papers (Janeiro, 2011), segundo a qual Mahmoud Abbas (também chamado Abu Mazen) e seus seguidores ofereceram aos israelenses absolutamente tudo que exigiram.

Como escrevi naquela época, Abbas e seus colegas “estavam dispostos a concordar com os bantustões, a ceder praticamente toda Jerusalém, a dar as costas a 99% dos refugiados, a fingir que não viam que a população de Gaza estava sendo massacrada e a servir, como aliados, à ocupação da Cisjordânia pelos exércitos de Israel.

“Ao final daquela ‘negociação’, já praticamente nada restava pelo qual valesse a pena lutar. Como o principal negociador da Autoridade Nacional Palestina, Saeb Erekat, disse aos enviado dos EUA ao Oriente Médio George Mitchell, os palestinos haviam feito tudo, exceto ‘converter-se ao sionismo’. Mesmo assim, os israelenses ignoraram todas as concessões feitas pelos palestinos.”

Ora, pode-se dizer que Netanyahu é homem de visão tão estreita e tão mal informado que não lembra de 1993 nem sabe do que Arafat explicou ao Guardian. Pois ainda assim teria de lembrar da capitulação tão fartamente noticiada nos Palestine Papers. Afinal de conta, aconteceu, em grande parte, sob seus próprios olhos.

E o que dizer da exigência de reconhecer o tal “estado judeu”? A única conclusão a que se pode chegar é que o primeiro-ministro Netanyahu é daqueles comediantes que depende de um “escada”, e que supõe que o resto do mundo, que, para ele, estaria representado no Congresso dos EUA, vive de lhe dar as deixas sem as quais não teria como apresentar seu número.

Contra todas esses delírios, há a realidade: a liderança política em Israel não tem qualquer interesse em fazer a paz. A paz deve ser evitada a todo custo, porque interromperá, necessariamente, o continuado roubo de terra palestina, por israelenses. Por isso, de fato, para Netanyahu, “é impossível avançar” rumo a qualquer paz.

E o vencedor? O que acontecerá se os sauditas decidirem, mesmo, que chegou a hora de aplicar seu imenso poder econômico para ajudar os palestinos? O poder dos comediantes israelenses bastará para competir com os sauditas? Bem, há alguns argumentos a considerar:

1. O poder dos sionistas, fora da Palestina, está confinado a apenas alguns poucos pontos. Não significa que não exista, mas significa que tem base real bem reduzida. O poder do sionismo repousa sobre duas torres gêmeas: a culpa ocidental pelo holocausto e a influência do lobby pró-Israel. Esse último, pelo menos nos EUA, aparece sob a forma de dinheiro pago a políticos e campanhas eleitorais.

Os sionistas também têm poder sobre a mídia, mas é hoje poder bem menos amplo do que já foi. Não se sabe exatamente o quanto esse poder midiático conseguiria influir, em circunstâncias em que houvesse, ativados, consideráveis contrapesos econômicos e financeiros.

2. O poder da Arábia Saudita, por sua vez, é realmente internacional-global e é poder com bases econômicas bem reais. Se o preço dos combustíveis disparar, por ativa manipulação pelos sauditas e outros produtores árabes de petróleo, não há o que os sionistas possam fazer para revidar.

E, agora? O que farão os norte-americanos e os europeus? Invadir a Arábia Saudita, o Kuwait, o Bahrain, o Qatar et allii? São ideias que ocorrem a roteiristas de romances e filmes de espionagem e só serão promovidas por terroristas limítrofes, tipo John Bolton. Na vida real, nunca aconteceu.

Não. O novo tipo de confrontação não pode ser vencido pelos sionistas. É interessante observar que praticamente nada disso aparece discutido na mídia norte-americana. Provavelmente, os sionistas e seus cúmplices creem que, se fecharem os olhos e ouvidos e fingirem que a Arábia Saudita não disse o que disse, a Arábia Saudita sumirá para sempre. Talvez estejam contando com energia fusion, ainda em setembro desse ano! Ou, vai-se ver, decidiram que o príncipe Turki al-Faisal blefou, pelo Washington Post.

Pessoalmente, entendo que pode ter chegado a vez da Arábia Saudita. Talvez os sauditas possam impor uma paz justa entre Washington e Telavive. Ninguém espere notícias pela mídia, mas, para ajudar os palestinos, estou disposto a pagar o preço que os sauditas resolverem cobrar, para encher o tanque!

*Lawrence Davidson é professor de História na West Chester University na Pennsylvania. É autor de Foreign Policy Inc.: Privatizing America’s National InterestAmerica’s Palestine: Popular and Offical Perceptions from Balfour to Israeli Statehood; e Islamic Fundamentalism.

quinta-feira, 28 de abril de 2011

Acordo entre palestinos provoca reação de Israel e EUA

28 abril 2011/Vermelho http://www.vermelho.org.br/

Após quatro anos de divisão, os grupos palestinos Hamas e Fatah anunciaram, na quarta-feira (27), terem chegado a um acordo de conciliação. Negociado no Cairo, o acordo prevê a formação de um governo interino, a fixação de uma data para eleições e a libertação de alguns presos.

A sinalização de unidade desagradou Israel, que ameaçou a Autoridade Palestina com um “vasto arsenal de medidas” de retaliação. As relações entre os dois movimentos políticos foram rompidas em 2007, com a disputa pelo governo da Faixa de Gaza, vencida à força pelo Hamas.

O conflito provocou a criação de duas administrações palestinas, uma em Gaza e outra na Cisjordânia, sob a liderança da Fatah, do presidente Mahmud Abbas, que controla a Autoridade Palestina.

"Digo ao povo palestino que chegou o fim da divisão. O que o povo em Gaza pedia foi cumprido hoje", afirmou o dirigente da Fatah, Azam al Ahmad, em entrevista coletiva na capital egípcia junto ao representante do Hamas, Moussa Abu Marzuk.

"Temos agora um acordo completo, concordamos em todos os assuntos", disse Ahmed. Em duas ocasiões anteriores os dois movimentos anunciaram acordos, mas recuaram da sua adoção em seguida. Na quarta, os dois movimentos disseram que Abbas e Khaled Meshal, líder do Hamas, assinarão o acordo no Cairo, no próximo dia 5.

Ahmad, líder do grupo parlamentar da Fatah na Assembleia Legislativa palestina, afirmou que a ideia de reunir os palestinos partiu da vontade de pôr fim à ocupação de Israel.

"Anteriormente Israel censurou (o presidente da Autoridade Nacional Palestina, Mahmoud) Abbas sobre este acordo, e Abbas respondeu em Moscou que a ANP deseja a reconciliação com o Hamas", lembrou.

O dirigente da Fatah denunciou ainda que "os Estados Unidos usaram a divisão como pretexto para evitar cumprir seus deveres". Ahmad destacou que "a ocupação aproveitou a divisão para 'judaicizar' Jerusalém, levantar o muro e separar grandes setores da Cisjordânia".

Ele respondeu assim ao primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, que, diante da reconciliação, havia dito que a Autoridade Palestina deveria “escolher entre a paz com Israel e a paz com o Hamas”. "Não é possível a paz com os dois porque o Hamas tem a aspiração de destruir Israel, como já disse abertamente", esbravejou Netanyahu.

O nacionalista Avigdor Lierberman, ministro das Relações Exteriores e dirigente do partido extremista Yisrael Beitenu, foi mais longe, ao advertir Mahmud Abbas para o “vasto arsenal de medidas” de retaliação que o Estado sionista pode acionar.

Em declarações difundidas pela rádio militar, Lieberman considerou que Hamas e Fatah ultrapassaram “uma linha vermelha”. E fez ameaças: "Nós dispomos de um vasto arsenal de medidas retaliatórias, incluindo a supressão do estatuto de VIP a Mahmoud Abbas (presidente da Autoridade Palestina), assim como a Salam Fayyad (primeiro-ministro palestino)" – o que os impedirá de circular livremente na Cisjordânia.

Além daquelas retaliações, o chefe da diplomacia de Israel também brandiu ameaças de “congelamento das transferências dos impostos" para os cofres do poder executivo em Ramallah.

O acordo
O negociador do Hamas, Moussa Abu Marzuk, declarou que os dois grupos chegaram a um acordo em questões pendentes como as eleições, a comissão eleitoral, a data do pleito, assuntos de segurança, "a formação de um governo com personalidades independentes", além da continuação da Assembleia Legislativa.

Também foi solucionada a libertação de alguns presos, a reabertura de instituições fechadas e a consolidação de um ambiente para a realização de eleições livres e transparentes com observação internacional, acrescentou Marzuk.

O dirigente do Hamas ressaltou que todos esses temas devem ser cumpridos no prazo de um ano e que, durante as conversas, não foram discutidas as condições estabelecidas pelo Quarteto Internacional (EUA, ONU, UE e Rússia).

Marzuk explicou que seu grupo assinou o plano egípcio, lançando em 2009 e que foi rejeitado pelo Hamas em outubro desse ano por considerar que tinham sido incluídos pontos não discutidos previamente.

Por sua vez, Ahmad ressaltou que "a Liga Árabe se encarregará de acompanhar o cumprimento do acordo e o supervisionará", e que "o acordo obtido hoje responde a dúvidas do plano egípcio".

"Permaneceremos desde hoje no diálogo para resolver qualquer assunto que surja", afirmou Ahmad. "O diálogo é parte da vida e da história contemporânea palestina, todos aprendemos uma dura lição da divisão", prosseguiu.

O representante da Fatah acrescentou que hoje foi fechado um acordo para a formação de uma comissão suprema de segurança, integrada por oficiais e profissionais, e que nomeará uma comissão eleitoral central com o acordo das facções.

Em entrevista posterior à rede de televisão al-Jazira, Ahmad acrescentou que serão realizadas eleições presidenciais e legislativas conjuntas, um ano depois da data da assinatura do acordo.

Sabotagem em andamento
Diante da divulgação do novo acordo, os Estados Unidos já iniciaram a sabotagem do processo. "Os Estados Unidos apoiam a reconciliação palestina sob condições que promovam a causa da paz. O Hamas, no entanto, é uma organização terrorista que tem como alvo os civis", provocou o porta-voz da Casa Branca, Tommy Vietor, em comunicado divulgado na tarde de quarta.

A criação de um governo palestino provisório que reúna os dois principais movimentos políticos locais vai contra os anseios imperialistas dos Estados Unidos no Oriente Médio, de acordo com a nota divulgada pela Casa Branca.

"Para ter um papel construtivo em alcançar a paz, qualquer governo palestino deve aceitar os princípios do Quarteto e renunciar à violência, respeitar os acordos passados e reconhecer o direito de Israel de existir", ameaçou o porta-voz.

Israel e Estados Unidos são os dois maiores beneficiários da desunião entre forças políticas palestinas e não é de se estranhar a posição dos dois governos, que veem qualquer tipo de acordo intrapalestino como ameaça aos planos de dominação do imperialismo no Oriente Médio.

O últimos movimentos iniciados pelos Estados Unidos em torno de um "acordo de paz" entre israelenses e palestinos serviram apenas aos interesses da política interna norte-americana, visto que foram refutados de modo categórico pelo gesto de Israel, ao levantar a autoproclamada moratória que proibia a construção em assentamentos ilegais no território palestino. (Com agências)

quinta-feira, 21 de abril de 2011

FEPAL REAGE À DIFAMAÇÃO MIDIÁTICA DA COMUNIDADE ÁRABE NO BRASIL

17 de abril de 2011, Vermelho http://www.vermelho.org.br

A FEPAL – Federação Árabe Palestina do Brasil, frente a eventos recentes em que a comunidade árabe residente no Brasil é apresentada, por parte dos grandes veículos de comunicação de massa, como vinculada ao “terrorismo”, criminalizando-a por meio da demonização do islamismo, credo religioso de grande parte desta comunidade e majoritário nos países árabes, manifesta sua mais profunda preocupação, dada a gravidade dos mesmos.
Preocupa-nos ainda mais porque não são atos isolados. Integram um conjunto de táticas e estratégias de agentes externos que buscam alcançar justamente este objetivo, à semelhança do que já se dá nos EUA e em outros países, especialmente europeus.

Do que é mais recente, temos a reportagem da revista semanal Veja, notória inimiga de políticas externas não alinhadas à dos EUA e visível inimiga dos muçulmanos em geral e dos árabes em particular, mais particularmente ainda dos palestinos. A reportagem que deu a chamada de capa – “A REDE DO TERROR NO BRASIL” –, veiculada em sua edição de número 2211, de 6 de abril de 2011, simplesmente criminaliza toda a comunidade árabe e muçulmana residente no Brasil sem apresentar uma única prova, limitando-se, quando muito, a citar algumas agências de segurança e inquéritos que jamais versaram acerca do terrorismo e que, para muito além, até mesmo inocentaram os acusados daquilo que exclusivamente foram acusados.

Não bastasse isso, a revista cita investigações já arquivadas e personagens que vivem legalmente no Brasil, com seus negócios legais e abertos, ao quais se refere como se estivessem escondidos em algum bunker, com hilações tal qual o trecho do texto em que este veículo de comunicação afirma “…Ele (Khaled Hussein Ali) foi flagrado por Veja na porta de sua lan house”.

Mas isto partir da revista Veja, bem como de outros veículos de comunicação de massa, dentre os quais se destacam os veículos do Grupo Globo, não chega a ser novo ou assombroso, dado o papel negativo que cumprem no Brasil, basicamente veiculando informações validando as pollíticas dos EUA para o restante do mundo, o que tem implicado em ataque frontal à política externa brasileira, à atuação do Brasil em organismos multilaterais, como a Organização Mundial do Comércio (OMC) e a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), ou no Conselho de Segurança da ONU e em suas comissões, dentre as quais a de direitos humanos.

O que preocupa é que estas veiculações estão articuladas a um plano de criminalizar a comunidade árabe-muçulmana residente no Brasil, do qual participam diretamente o Governo dos EUA e sua agência de inteligência, a CIA. E isto já não é assunto restrito aos afortunados pelas informações privilegiadas, especialmente em decorrência de duas informações, de fontes distintas, que desnudam esta ação direta dos EUA no Brasil.

Um exemplo paradigmático que oferece, no mínimo, indícios válidos desta estratégia, é texto analítico recente de autoria de PETER BLAIR e KHATARINA GARCIA, veiculado em 17 de fevereiro deste ano de 2011, no qual é desnudado que o Congresso dos EUA autorizou a Casa Branca a dobrar o valor dos recursos destinados à compra de espaço na mídia de diversos países com vistas à promoção de suas políticas e, claro, deslegitimação das políticas destes países alvo, dentre eles o Brasil, cuja política externa independente tem incomodado sobremaneira o governo estadunidense e os de alguns de seus aliados. Tanto incomoda que somente para o Brasil a verba prevista para 2011 é de gigantescos 120 milhões de dólares.

Um breve excerto deste texto assim expõe a questão: “O Congresso dos Estados Unidos autorizou a Casa Branca a dobrar os valores aprovados no orçamento de 2011 para gastos relativos a propaganda e meios de comunicação contra líderes que contrariam os interesses dos EUA no mundo, como é o caso de Muammar Khadafy, Mahmoud Ahmednejad, Hugo Chavez, Evo Morales, Rafael Correa, Raul Castro, Daniel Ortega, Cristina Krischner, Fernando Lugo, Kim Jo II. Os recursos devem ser usados na compra de espaço na mídia dos países governados por estes líderes em jornais, rádios, revistas e redes de televisão, que devem sempre se referir aos mesmos como ditadores e receberem sempre orientação dos Adidos de Imprensa nos respectivos países ou senão houver relações diplomática com estes, pelos agentes da CIA no país. O orçamento total do projeto é de hum bilhão de dólares e só para o Brasil foram destinados 120 milhões para esse tipo de ação.”.

Ou seja: trata-se de violação da soberania do Brasil, já de plano, e um ataque inadmissível a suas instituições e interferência direta em sua política interna, algo inconcebível pelo perigo que isso carrega. Basta ter em conta que os EUA nunca atacaram militarmente um país soberano sem que antes tenham interferido diretamente em sua política interna e o demonizado por meio da propaganda mascarada de informação veiculada por veículos de comunicação de massa que apresentam como notícia o que unilateralmente produzem as chamadas “agências de notícias”, todas estadunidenses, francesas e inglesas.

Outra prova desta política é o recente vazamento do WikiLeaks de correspondência diplomática (telegrama) da embaixada dos EUA no Brasil ao Departamento de Estado, no qual informa das medidas adotadas, bem como as que, a seu ver, devem ser adotadas, com vistas a engajar o Brasil na difamação de religiões. Este texto desvenda como os EUA pretendem instrumentalizar a relevante temática dos direitos humanos para engajar o Brasil na difamação de religiões, bem como de que forma isto se fará, tendo os grandes veículos de comunicação de massa como instrumentos de proa. Aliás, sempre os mesmos veículos de comunicação que se opuseram vigorosamente, por exemplo, ao Estatuto de Igualdade Racial e a toda legislação de promoção da igualdade racial no Brasil, aí destacando-se a política de cotas.

Novamente, um pequeno excerto da correspondência tornada pública pelo Wikileaks ajuda a entender melhor como esta ação se dá: “Aumentar a atividade pela mídia e o alcance das comunidades religiosas parceiras: Até agora, nenhum grupo religioso no Brasil assumiu a defesa da difamação de religiões. Mas o Brasil é sociedade multirreligiosa e multiétnica, que valoriza a liberdade de religião. Um esforço para difundir a consciência sobre os danos que podem advir de se proibir a difamação das religiões pode render bons dividendos. Grandes veículos de imprensa, como O Estado de S. Paulo e O Globo, além da revista Veja, podem dedicar-se a informar sobre os riscos que podem advir de punir-se quem difame religiões, sobretudo entre a elite do país.

Essa embaixada tem obtido significativo sucesso em implantar entrevistas encomendadas a jornalistas, com altos funcionários do governo dos EUA e intelectuais respeitados. Visitas ao Brasil, de altos funcionários do governo dos EUA seriam excelente oportunidade para pautar a questão para a imprensa brasileira. Outra vez, especialistas e funcionários de outros governos e países que apóiem nossa posição a favor de não se punir quem difame religiões garantiriam importante ímpeto aos nossos esforços.

Essa campanha também deve ser orientada às comunidades religiosas que parecem ter influência sobre o governo do Brasil, quando se opuseram à visita ao Brasil do presidente Ahmadinejad do Irã, em novembro...”.

Mas é claro que estes textos e a análise que ensejam tem força apenas relativa se não confrontados com os fatos, ou seja, com o que de fato se dá no plano do terreno. E isto é facíl de aferir tomando como paradigmas dois eventos recentes.

Destacando-se que a correspondência diplomática referida veio à luz em 03 de abril deste ano de 2011, a primeira grande pista que temos de esta estratégia já estar em andamento é justamente a reportagem da revista semanal Veja – “A REDE DO TERROR NO BRASIL” –, veiculada em sua edição de 6 de abril de 2011, apenas três dias depois.

A segunda prova cabal de estar em andamento uma estratégia de difamação do islamismo e de demonização da comunidade árabe residente no Brasil são as injustificáveis ilações acerca do credo religioso de Wellington Menezes de Oliveira, que às 8 horas da manhã do último dia 7, quinta-feira, matou 12 crianças na Escola Municipal Tasso da Silveira, no Realengo, bairro da cidade do Rio de Janeiro. Ainda que este tipo de crime seja marca registrada dos EUA, país no qual estes episódios contam-se às dezenas e cujos autores dentre eles não há nenhum muçulmano – aliás, nunca se informou o credo religioso seguido por estes criminosos estadunidenses –, rapidamente repórteres, apresentadores e portais de internet, sem nenhuma prova e baseando-se unicamente numa infamante boataria, buscaram associar o criminoso ao Islã.

Este ímpeto de difamação do islamismo e de demonização da comunidade muçulmana e árabe – esta, inclusive, não necessariamente apenas muçulmana – residente no Brasil restou em parte freada diante da ausência absoluta de menções a Maomé e Alá na carta deixada pelo criminoso. Mais curioso é que na carta eram fartas menções de Deus e Jesus, assim como era pontuada de não poucas citações e referências bíblicas. Misteriosamente, a partir desta constatação, inclusive vindo à luz a igreja que frequentava, desapareceu o interesse dos grandes veículos de comunicação pela fé do criminoso. As insinuações, entretanto, permaneceram pontuando o faccioso noticiário de alguns grandes veículos de comunicação.

Não menos perigoso é o ímpeto que estes mesmos veículos de comunicação, obedecendo à mesma estratégia já mencionada, buscam colocar em campos opostos os movimentos emancipatórios e de solidariedade das populações muçulmanas e árabes residentes no Brasil, notadamente a de palestinos imigrados e seus descendentes, e o movimento negro brasileiro. Na mesma reportagem da revista Veja de 6 de abril de 2011, seu texto busca incriminar um dos objetos de sua pretensa reportagem em crime de racismo, alegando que este teria disparado spams direcionados a sites dos EUA incitando o ódio a judeus e negros.

O objetivo desta estratégia é claro: dividir e, talvez pior ainda, colocar em campos opostos estes dois movimentos, que sempre foram aliados sinceros contra adversários e inimigos comuns, táticos ou estratégicos, verdade ainda vigente, especialmente frente ao papel cada vez mais agressivo que estes mesmos adversários e inimigos desempenham no mundo atual. Caso concreto e insofismável desta aliança sincera e desinteressada é o documento da FEPAL de apoio ao ESTATUTO DA IGUALDADE RACIAL e às COTAS RACIAIS no Brasil.

Por fim, esta estratégia tem também outras agendas ocultas, das quais uma é gravíssima: a aprovação pelo Brasil de legislação antiterrorista nos moldes exigidos pelos EUA para moldar o país à cruzada estadunidense desde os atentados de 11 de detembro de 2001 de intervenção armada mundo afora, sempre sob o eufemismo da “guerra ao terror”.

No entendimento da FEPAL, esta legislação é impensável porque visa única e exclusivamente criminalizar todos aqueles – pessoas ou movimentos – que se opõem às políticas militaristas e intervencionistas dos EUA, bem como criminalizar todos os movimentos sociais brasileiros que buscam afirmar seus direitos sociais e humanos, dentre os quais poderíamos destacar o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), os movimentos de luta por moradia, os movimentos negro e indígena, para citar poucos.

Com esta mesma legislação até mesmo a soberania do Brasil restaria relativizada, visto que os EUA visam tornar, mesmo que artificialmente, todas as fronteiras brasileiras palco de criminalidade organizada e de tráfego de terroristas, plataforma discursiva já vigente para a triplice fronteira objetivando prejudicar a consolidação do Mercosul e a liderança natural do Brasil no continente.

Enfim, a FEPAL manifesta a este Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial (CNPIR) sua profunda preocupação frente a estes eventos, razão pela qual requer seja o presente documento e seus anexos recebidos no mínimo como RECOMENDAÇÃO, a ser encaminhada à Ouvidoria da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR), à Secretria de Direitos Humanos, ao Ministério da Justiça e ao Gabinete da Presidência da República, bem como aos demais órgãos governamentais e organizações aos quais entender necessário recebê-lo, para que tomem conhecimento desta manifestação e dos graves elementos que a consubstanciam e ensejam e adotem as medidas cabíveis com vistas à efetiva apuração destes e a adoção de medidas para coibí-los enquanto isto é possível.

Brasília-DF, 14 de abril de 2011.

FEPAL – Federação Árabe Palestina do Brasil